O excesso de entretenimento (livros, televisão, computador e celulares)
Estou há alguns dias assistindo palestras sobre organização de estudos e aprimoramento de memória (Pierluigi Piazzi e Alberto Dell’Isola, respectivamente) e achei interessante uma coisa: ambos gravaram as palestras (que eu estou assistindo) antes de 2010. Uma é de 2009, outra de 2005, 2003… ou seja, o auge da internet sendo apenas no computador (a de 2009, do Dell’Isola, já fala de celulares com mais funções), mas também fala bastante de televisão, e é impressionante que todos falam do perigo de se perder nessas fontes de entretenimento e o quanto elas podem enfraquecer sua capacidade de pensamento crítico, pois você vira um sujeito passivo às informações que você recebe, sem se dar momento de reflexão simples. Sei que isso é completamente simplório e a maioria de vocês sabe disso, mas ver que há pouco mais de uma década já se tinha preocupação com algo que muita gente só vê problema agora é muito interessante. Vou além até citando Nietzsche, que no oitavo aforismo do capítulo “Por que sou tão inteligente” do livro Ecce Homo, de 1888, já denunciava os malefícios de ser passivo às informações com tanta avidez:
“…Uma outra astúcia e autodefesa consiste em reagir o menos possível e em subtrair-se a situações e condições em que alguém seria condenado a suspender de algum modo a sua «liberdade», a sua iniciativa, e a tornar-se um simples órgão de reação. Tomo como comparação trato com os livros.
O erudito, que no fundo «folheia» apenas ainda livros — o filólogo com uma taxa média por dia de cerca de duzentos — acaba por perder inteiramente a capacidade de pensar por si. Se não folheia, também não pensa. Responde a um estímulo (um pensamento lido), quando pensa em última análise, ainda simplesmente reage. O erudito despende toda a sua força em dizer sim e não, na crítica do que já foi pensado — pessoalmente, já não pensa… O instinto de autodefesa extenuou-se nele; caso contrário, pôr-se-ia em guarda contra os livros. O erudito — um décadent. Eis o que vi com os meus olhos: naturezas dotadas, de ricas e livres tendências, já aos trinta anos se tinham tornado uma «desgraça» pela leitura, simples fósforos que, para produzirem faísca — «ideias» –, carecem de fricção. — Ler um livro pela manhã, ao romper do dia, em todo o vigor, na aurora da sua força — eis aquilo a que chamo vício!” (grifo meu)
Livros em 1888, televisão e internet em 2005, celular e internet em 2009 e celular na última década e até agora. O evangelho da salvação das nossas mentes pensantes não é queimar os aparelhos eletrônicos, mas sim o desenvolvimento de um auto-controle em relação a uma rotina de eterna liberação de hormônios ligados a satisfação através desses momentos “eternos” de satisfação e relaxamento, que por si só são importantes, porém temos dois problemas: em excesso, acabamos por virar um ser sem pensamento próprio, como foi identificado anteriormente, e o outro problema é relacionado ao celular em si. Um livro trás muitas informações, talvez informações densas, mas relativamente uma de cada vez. O celular nos entrega, pelas redes sociais majoritariamente, muitas sensações e imagens num curto espaço de tempo, acelerando nossa mente a decodificar muitas informações e sentimentos ao mesmo tempo, enquanto que à mesma medida não se consegue sair facilmente desse ciclo por um vício já solidificado. Torno a dizer que os momentos de relaxar e entreter-se são importantes, momentos de se deixar ser passivo, porém existem questões a serem pensadas quando estamos usando nosso tempo livre.