Breve elogio a Borges

Adonai Braga
3 min readAug 15, 2024

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Um prefácio que não me atrevi a ler ao início da primeira leitura. Este prefácio me escondeu o nome d’um homem completamente desconhecido aos meus ouvidos e olhos. Mergulhado em centenas de páginas, com uma figura pitoresca e um tanto odiosa que se arrastava dentro de um cenário cercado de muros pedrosos e livros antigos, eu lia com fervor aquelas páginas, sem saber da referência diante dos meus olhos. Ao final da leitura, busquei o prefácio que havia pulado e encontrei a figura humana que deu origem àquela dantesca criatura que era Jorge de Burgos, Jorge Luis Borges. Estou falando naturalmente d’O Nome da Rosa, romance investigativo de Umberto Eco que coloca um velho beneditino cego que envolve-se com os livros de uma biblioteca se(ou dis)creta sendo uma referência direta ao escritor argentino. Eco não repudiava Borges, pelo contrário, o admirava, e mesmo que a personagem de Jorge de Burgos seja uma figura odiosa, a homenagem e a lembrança foi imortalizada na figura de um idoso sem visão rodeado por livros diversos, tal qual era o mestre austral¹.

Este foi meu primeiro contato com o nome de Borges. Eu poderia fingir vergonha por não ter ouvido falar desse nome em outro contexto convencional, mas isso pouquíssimo, ou melhor, nada importa. O conheci e isso me basta. E quão rico me foi esse encontro. Não escreverei uma longa biografia, ou uma curta, ou uma biografia monoparagrafal (afinal, o próprio Borges escreveu [ditou] uma autobiografia), mas fazer o que me propus no título, um elogio.

Jorge fez algo que poucos escritores conseguiram fazer, derramar sobre suas páginas o seu conhecimento enciclopédico de maneira clara e sem o mero desejo pedante de mostrar o que sabia, mas de anotar e contar à sua maneira os textos, homens, histórias e mitos grandiosos que conhecia. Se você, leitor, deseja ler um fragmento integral do sir Richard Francis Burton ou de Emanuel Swedenborg, ou se deseja ler uma história do Japão medieval, abra “Historia Universal de La Infamia”. Ou se procura algo voltado para a tradição semita, “El Aleph” é uma opção. “El Otro, El Mismo” possui diversos poemas acerca da vida de variados homens, lugares e eventos ao longo da história… Borges é uma vasta enciclopédia surrealista que pode lhe apresentar um mundo extremamente novo. Você encontrará motivos para conhecer o mundo semita, Dante, filologia, textos homéricos, Milton, sagas nórdicas, mitos chineses, geografia, Heráclito… quiçá ad infinitum. O conhecimento enciclopédico do mestre austral não foi útil apenas para a feitura dos textos supracitados, mas para a formação do seu próprio “legendarium”, tão rico como a descrição que fez de histórias já conhecidas pelo público.

Aqui finalizo meu breve texto, com a esperança de que você, leitor, tendo a oportunidade, tenha se sentido impelido a ler os textos de Jorge Luis Borges. Mesmo que você discorde do poeta, como eu tenho minhas discordâncias, você dificilmente negará seu gênio e sua capacidade de instigar nossa busca pessoal.

¹Pude perceber recentemente, inclusive, uma leve semelhança entre Jorge Luis com o ator Fjodor Fjodorowitsch, que interpreta Jorge de Burgos na adaptação do livro lançada em 1986.

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