Adonai Braga
3 min readMar 19, 2022

[C.M.] A morte aparente do niilismo de Mishima

Após ler muitos livros de épocas diferentes de Yukio Mishima, percebi que o nacionalismo extremo dele foi algo muito tardio. O grupo Tatenokai só se firmou em 1968, Cavalos Selvagens (2° livro da tetralogia Mar da Fertilidade, que a temática é o nacionalismo) só é lançado em 1969, Sol e Aço (que não necessariamente é de temática nacionalista, mas ele emprega a filosofia apresentada no livro ao Tatenokai) é lançado em 1968... enfim, existe algo muito curioso que costuma passar desapercebido à leitura do Mishima, que é a "quebra" do seu niilismo (não vou me ater ao niilismo passivo e ativo nietzscheano). Em vários livros e cartas, Mishima apresenta uma postura niilista, de destruição de valores transcendentais (a exemplo da beleza, como n’O Templo do Pavilhão Dourado, ou em toda tetralogia O Mar da Fertilidade), de agarrar a vida, apesar de tentar se desprender dela (como ao longo do livro Vida à Venda ou como é relatado em Confissões de Uma Máscara o seu alívio de não servir ao exército) e principalmente, a cena final do Mar da Fertilidade, onde a iluminação (ou morte) do protagonista é algo simples, porém belo, digno de um sūtra budista, mas que não se assemelha ao que Mishima falava do êxtase da batalha (faço aqui um paralelo com a leitura sexual da Ilíada, onde o êxtase, tanto sexual quanto da vida em si, estaria na perfuração dos corpos pelas lanças inimigas, como Frederico Lourenço analisa ao prefácio de sua tradução ao texto homérico) ou o "orgasmo de Tânatos". A iluminação do protagonista é a iluminação do próprio Mishima. Em suas cartas, Mishima demonstra uma vontade de vingança contra aqueles que criticavam sua obra e chamava o fim de seus personagens como "delírios fatalistas", ele partiu à provar que isso ainda poderia existir. Com isso, vestiu sua “máscara”, e fez o que deveria ser feito. É um pensamento inocente imaginar que 4 garotos que mal tinham passado dos 20 anos, mais o próprio Mishima, estariam realmente a fazer um coup d’État, naquela manhã do dia 25 de novembro de 1970, e que todos os presentes criam que seriam integrados ao exército japonês apenas com discursos e um refém (que eles nunca pensaram em matar).

Mishima tinha um ímpeto de morte desde a infância, e em algum momento dos seus últimos anos, muito depois de começar a se exercitar, ele se libertou do medo natural que existe de morrer (tal como um samurai que medita todos os dias sobre sua morte, pensando em formas diferentes de morrer, para não ser pego de surpresa e não ter medo). Ele incorporou, naquele 25 de Novembro, o espírito de Yamato, ou seja, do verdadeiro povo japonês, porém, seus motivos estavam além do que podemos entender. Ele se tornou um símbolo da sua literatura e da sua filosofia. É impossível separar obra e autor nesse caso. Ele viveu tudo que falou e escreveu. A quebra aparente do seu niilismo, ao abraçar o nacionalismo aos moldes samuraicos, algo transcendental, foi o atto finale do espetáculo que foi sua vida.

Fecho esse texto com uma frase muito famosa de uma entrevista do próprio sensei: "Morrer por uma grande causa era considerada a forma mais gloriosa, heróica e brilhante de se morrer. Entretanto, agora não há mais algo como uma 'grande causa'. Isto é natural, pois o sistema político democrático não precisa de coisas como 'grandes causas'. Mas se não encontrarmos valores que vão além do nosso pensamento dentro de nós mesmos, nós vamos acabar por crer que não há razão para continuar vivendo"

Yukio Mishima, 1966